Empresas precisam levar a sério a preocupação com a Saúde Mental

O Anuário Saúde Mental nas Empresas 2024 mostra redução no índice de promoção de bem-estar pelas grandes empresas brasileiras em relação ao ano anterior, passando de 5,40 pontos em 2023 para 5,05 neste ano. Para chegar a essas conclusões, analisamos os relatos integrados, documentos elaborados pelas próprias organizações para prestar contas à sociedade e, consequentemente, gerar mais valor ao negócio.

Entre os oito setores analisados, o Financeiro aparece positivamente na liderança com um índice de 11,34. A preocupação não é à toa: é esse ramo da economia que apresenta o maior número de afastamento de empregados por transtornos mentais. Na ponta oposta do ranking do Anuário, aparece negativamente o setor Agropecuário, com índice de 1,91. Esse número acende um alerta, pois as doenças mentais, comportamentais e nervosas foram a segunda maior causa de afastamentos não acidentários no Agro entre 2020-2022, de acordo com o Observatório de Saúde e Segurança no Trabalho.

O propósito do Anuário é iluminar o que tem sido feito de melhor para inspirar e influenciar as demais organizações na adoção de uma estratégia verdadeira e efetiva para a saúde mental dos colaboradores. A metodologia cobre integralmente os pontos elencados na legislação recente que criou o Certificado de Empresa Promotora da Saúde Mental. Em março, a Lei nº 14.831 foi sancionada, mas muitas questões ainda precisam ser respondidas e não há prazo para que o Congresso aprove a regulamentação.

Certificar uma empresa que adote um conjunto de boas práticas é muito bem-vindo, mas isso, por si só, não resolve. Saúde mental não deve ser um tema sazonal e não vamos resolver esse desafio de forma isolada apenas por uma lei de incentivo.

Dentro da agenda ESG o termo greenwashing ilustra quando uma organização implementa estratégias e propagandas enganosas sobre suas práticas ambientais. O mundo cobra, cada vez mais, que as empresas observem princípios sociais e de governança, e a sensibilização das lideranças corporativas é determinante para alavancar esta pauta.

Precisamos cuidar do ambiente no qual o indivíduo está inserido, trabalhando o sentido existencial em uma atmosfera de acolhimento, escuta e segurança psicológica. No contexto empresarial, este é um papel a ser exercido por e para as lideranças corporativas pois, ao mesmo tempo que são agentes de promoção da saúde mental, são também indivíduos que precisam
de cuidados.

Se isso não for adotado de forma séria, corremos o risco de ter uma espécie de mentalwashing: a declaração de ações muito bonitas no papel, inclusive seguindo a lei, mas que, no dia-a-dia, não são efetivas e não estão enraizadas na cultura e cotidiano da organização.

*Carlos Assis, editor do Anuário Saúde Mental nas Empresas. Psicólogo clínico e executivo com mais de 35 anos de experiência internacional.

Foi responsável por projetos internacionais de gestão de mudanças organizacionais em equipes multidisciplinares como, por exemplo, na Ernst & Young, organização da qual é sócio aposentado. É fundador do Instituto Philos Org e diretor da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS).


Desafios e Limites na Prevenção ao Suicídio Relacionado ao Trabalho

O filósofo francês Albert Camus, no ensaio O Mito de Sísifo, descreve o suicídio como o único problema filosófico realmente sério: “julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia”.  O suicídio já foi tratado de diversas formas, variando em função da cultura e do momento histórico, desde considerado um gesto heroico, até expressão do pecado ou da loucura. Somente nas primeiras décadas do século XXI é que a temática do suicídio relacionado ao trabalho passou a ser uma questão para estudiosos do mundo empresarial. Estudos sobre a psicodinâmica laboral apontam a centralidade do trabalho na saúde mental, bem como a invisibilidade do fenômeno do suicídio relacionado ao trabalho, uma vez que, na maior parte das vezes, não se consegue estabelecer relações que liguem o ato do suicídio diretamente a questões do trabalho. 

 

Durante o Setembro Amarelo, uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio implementada em 2015, muitas empresas desenvolvem campanhas pontuais de conscientização e comunicação, na expectativa de estarem fazendo sua parte na prevenção ao suicídio, porém campanhas pontuais desta natureza por si só, não geram redução efetiva do número de mortes por suicídio. Dados do Sinan demonstram que o Setembro Amarelo não alterou a tendência histórica de crescimento dos suicídios no Brasil após sua implementação, uma vez que houve aumento nas taxas anuais de mortes por suicídio entre 2011 e 2019, com 4,99 e 6,41 suicídios por 100 mil habitantes, respectivamente. Adicionalmente, houve um aumento de 6,2% no risco de mortalidade em 2017 e de 8,6% em 2019. A deficiência de ações multissetoriais pode explicar este fenômeno, o que corrobora a necessidade de associarmos políticas públicas e privadas com novas linhas de ação focadas na formação de profissionais e lideranças. A prevenção do suicídio deve estar inserida em um contexto mais amplo de saúde mental, com ações contínuas e integradas em múltiplas esferas, pois soluções simples para problemas complexos geralmente são limitadas ou estão equivocadas.

O suicídio é um fenômeno multifatorial com grande complexidade no entendimento das suas causas e sua ocorrência nos leva a refletir que o trabalhador precisava de algum acolhimento que não foi disponibilizado quando necessário. Estudos realizados em diversos países, incluindo o Brasil, apontam as transformações organizacionais e seu modelo de gestão como potenciais desencadeadores do suicídio entre trabalhadores. São muitos os fatores, tais como frequentes reestruturações, desemprego, imprevisibilidade, exigências contínuas e aceleradas, fragilização dos limites entre a vida privada e profissional, precarização, novos modelos de trabalho, competitividade, entre outras. Esses elementos, carregados por forte conteúdo emocional, vivenciados dentro de um “período crítico”, provocariam uma desorganização psíquica tal no indivíduo, desencadeando nele uma crise suicida. Adicionalmente, tais aspectos, vistos como inerentes ao modelo econômico atual, acabam também naturalizando o mal-estar que acomete o ambiente de trabalho

Os modelos de prevenção usualmente consideram perfis de risco para direcionar ações que se antecipem a consumação do ato. Os principais fatores de risco de suicídio são o histórico de tentativa, a presença de transtornos mentais, aspectos psicológicos, fatores sociodemográficos e condições clínicas incapacitantes.  Neste contexto, muitas estratégias focam em evitar que determinados indivíduos considerados de risco cometam suicídio, em uma visão pragmática de causa e efeito, subordinada às leis da lógica como campo de compreensão do homem. Acontece, no entanto, que as vivências humanas não “cabem” dentro de uma lei lógica, quantificável, medida com precisão, cultura predominante no universo corporativo.

Nem toda ideação suicida resulta em suicídio e nem todo o suicídio é precedido de ideações suicidas. Pesquisas apontam que mais de 50% dos suicídios não são precedidos de ideação nem oferecem sinais prévios facilmente identificáveis. Muitas vezes, uma crise psíquica intensa, deflagrada por elementos culturais ou ambientais, podem levar o indivíduo ao suicídio diante de uma oportunidade que se apresente no curso da crise. Mas como preveni-lo nestas circunstâncias?

A forma que se apresenta é cuidar do ambiente no qual o indivíduo está inserido, trabalhando o sentido existencial em uma atmosfera de acolhimento, escuta e segurança psicológica. Diante do desafio de antecipar o movimento de um indivíduo, deve-se focar em melhorar o ambiente no qual o conjunto de indivíduos está inserido, em múltiplas dimensões. No contexto empresarial, este é um papel a ser exercido por e para as lideranças corporativas, pois ao mesmo tempo que são agentes de prevenção, são potencialmente indivíduos a serem cuidados.

O suicídio nunca é o resultado de um evento ou fator único, mas consequência da interação complexa de vários fatores, o que faz com que as organizações, muitas vezes, procurem isentar-se de sua responsabilidade, imputando, geralmente, o gesto suicidário a um “temperamento” depressivo ou psicopatológico próprio ao suicida, ou ainda a conflitos afetivos que ele desenvolvia na esfera privada. Desta forma, o tema segue revestido por um véu, quase um pacto de silencio, uma espécie de tabu no interior das organizações e instituições. A incompreensão, a negação das relações entre suicídios com as questões relacionadas ao trabalho, o não entendimento da determinação do trabalho sobre a saúde mental, podem reduzir as possibilidades de se construir ações políticas para a mudança dessas realidades.


Angustia e Ansiedade como constituintes da existência

A Angústia e a Ansiedade são muitas vezes entendidas como transtornos a serem combatidos por prejudicarem o bem-estar e a produtividade do indivíduo. A sociedade moderna se propõe a eliminá-las ou controlá-las, quando poderiam ser entendidas como elementos indissociáveis da condição humana e aliadas importantes do crescimento e da realização plena como indivíduo. Soren Kierkegaard, filósofo dinamarquês do início do século XVIII, nos apresenta uma visão disruptiva no qual a Angústia se torna uma potência que nos move para a realização e o propósito, alterando o entendimento acerca da ansiedade e do desespero na modernidade.

 

Resumo

  • A angústia é constitutiva da existência e consiste na dor do homem ter que tornar-se si mesmo, pois a existência traz consigo a tarefa de decidir e toda a decisão é cisão, ruptura. Mas a angústia é também o elemento que move nossa potência, pois é a partir dela que buscamos saltos para estados de maior realização pessoal e crescimento.
  • As raízes da ansiedade se encontram nas reações de defesa dos animais em face de estímulos que representam perigo/ameaça. Freud utiliza o conceito de “ansiedade como sinal”, que considera a ansiedade como uma reação adaptativa a situações de perigo.
  • A forma como a ansiedade nos acomete na modernidade é produto da sociedade contemporânea e está impregnada em sua própria estrutura de funcionamento e na dinâmica da relação entre as pessoas.

 

A angústia e a ansiedade tem sido objeto de interesse da Filosofia e da Psicologia há séculos, mas ainda persiste uma certa dificuldade de diferenciação entre ansiedade e angústia. Ambos os termos advém do verbo grego “agkhô”: eu aperto, eu estreito. Daí derivam no latim os verbos ango e anxio que significam aperto, constrição física e tormento. Quem nunca teve aquele aperto no peito que se pode sentir quase que fisicamente, mas que muitas vezes não conseguimos entender psiquicamente em sua totalidade?

Dados da OMS indicam que o Brasil é o país com maior número de pessoas ansiosas no mundo e que 86% dos brasileiros sofrem com algum transtorno mental, como a ansiedade e a depressão, sendo a Síndrome de Burnout uma das doenças ocupacionais que mais causam afastamentos do trabalho. Os transtornos mentais e comportamentais ocupam a 3ª causa de incapacidade para o trabalho, correspondendo a 9% na concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. (Secretaria de Previdência/Ministério da Fazenda/2017)

Os chamados “estados ansiosos”, enquanto quadros patológicos, só começaram a ser abordados de forma estruturada pela Psiquiatria com os estudos de Sigmund Freud no final do século XIX, quando ele diferenciou a “Angnstneurose” (“Neurose de Angústia”) da Neurastenia e a ansiedade crônica dos ataques de ansiedade. A visão psicanalítica Freudiana prevaleceu por muitos anos, mas a partir dos anos 1960 o desenvolvimento da psicofarmacologia impulsionado pela indústria farmacêutica trouxe uma nova abordagem, onde se busca classificar os estados de ansiedade por meio de critérios de diagnóstico em Transtornos a serem combatidos com medicamentos.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM V estipula que “os transtornos de ansiedade incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionados. Medo é a resposta emocional a ameaça iminente real ou percebida, enquanto ansiedade é a antecipação de ameaça futura”. A Psiquiatria evolutiva entende que as raízes da ansiedade se encontram nas reações de defesa dos animais em face de estímulos que representam perigo/ameaça à sobrevivência, ao bem-estar ou à integridade física. Neste contexto, Charles Darwin influenciou Freud no conceito de ansiedade como sinal, que considera ansiedade como uma reação adaptativa a situações de perigo.

Mas não podemos falar de Ansiedade na ótica da Psicologia ou da Psicofarmacologia, sem antes refletirmos acerca do conceito de Angústia pelas lentes da Filosofia, notadamente sob o ponto de vista Fenomenológico Existencial. Soren Kierkegaard foi um filósofo dinamarquês nascido em 1813, considerado o pai do Existencialismo, que nos anunciou um modo novo de fazer Filosofia, surgido da relação estreita entre existir como pessoa e a consciência desse existir, onde a existência não se constitui em algo metafísico, fora do homem, mas sim na existência dentro do próprio homem. Kierkegaard acreditava na busca por uma verdade subjetiva: “encontrar uma verdade que seja verdade para mim, encontrar a ideia pela qual eu esteja disposto a viver e morrer”.

Em um mundo que não controlamos e no qual não existe uma dimensão metafísica externa para nos salvar, a tarefa da existência se torna bastante complexa. Em “O Conceito de Angústia” de 1844, Kierkegaard aborda este elemento central de sua filosofia, entendendo a angústia como um componente fundamental da constituição do homem. O Homem, no si mesmo, está implicado necessariamente na angústia, que não é um mal externo que o acomete, mas algo positivo que o compõe. Como dizia Kierkegaard, nem Deus nem os anjos têm angústia. Ela consiste na dor do homem ter que tornar-se si mesmo, pois a existência traz consigo a tarefa de decidir o tempo todo e decisão é cisão, ruptura. Não podemos ter nem escolher tudo e não controlamos todos os acontecimentos, pois a existência é um fluxo de possibilidades que demanda escolhas contínuas. Neste contexto a Angústia é o elemento que move nossa potência, pois é a partir dela que buscamos saltos para estados de maior realização pessoal e crescimento.

Já em “O Desespero Humano (Doença até a Morte)” de 1849, Kierkegaard aborda o desespero a partir de outra perspectiva. Contrariamente à angústia, o desespero não é um elemento constitutivo do si mesmo, mas um desequilíbrio entre os elementos constitutivos do indivíduo que o impede de se realizar na sua plenitude, impedindo os saltos que movem a existência.
Ora, considerando então que a angústia seja um elemento natural compatível com os desafios da tarefa de existir e a ansiedade uma resposta natural adaptativa, por que se tornaram inimigos a serem combatidos na modernidade? A Psicofarmacologia, que procura circunscrever objetivamente o que caracteriza a angústia e a ansiedade e quais seriam as suas causas para eliminá-las com medicamentos, ganhou enorme importância com os robustos financiamentos da indústria farmacêutica e a guerra das patentes no processo de medicalização.

É importante diferenciarmos o medo da ansiedade. A ansiedade está geralmente associada a uma ameaça desconhecida, interna, vaga e conflituosa, insidiosa, representando normalmente Conflitos Intrapsíquicos (Eu e o mundo interno). Já o medo se refere a uma ameaça conhecida, externa, definida e sem conflitos, súbita, representando normalmente Conflitos Interpessoais (Eu e o mundo externo).

Os transtornos de ansiedade, de acordo com o DSM V, se diferenciam do medo ou da ansiedade adaptativos por serem excessivos ou persistirem além de períodos apropriados ao nível de desenvolvimento, sendo caracterizados por ansiedade e preocupação excessivas na maioria dos dias que o indivíduo considera difícil controlar. São comuns sintomas tais quais inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele, fatigabilidade, dificuldade em concentrar-se ou sensações de “branco” na mente, irritabilidade, tensão muscular, perturbação do sono. Estes sintomas acabam gerando grande demanda nos serviços de saúde sem serem diagnosticados.

A ansiedade que nos acomete é produto da sociedade moderna e está impregnada em sua própria estrutura de funcionamento e na dinâmica de relação entre as pessoas, rápida, competitiva, superficial e digital. Além disto, não só se busca eliminar a angústia e a ansiedade como impor o discurso da felicidade compulsória, a ser compartilhada nas redes sociais e praticada nas organizações em programas motivacionais. Em “Modernidade Líquida” Zygmunt Bauman, nos alerta que as relações se tornaram fluídas e superficiais, sendo que a velocidade e as formas de comunicação se alteraram dramaticamente em um mundo digital cada vez mais desumanizado. A sociedade acaba por criar doenças crônicas em pessoas que não se adequam ao padrão que o sistema neoliberal as impõe, onde se tornou angustiante não ser produtivo. A todo momento os indivíduos estão sendo induzidos a fugir do ócio para produzir, pois os agentes do sistema disseminam a crença de que o fracasso é fruto da falta de trabalho e empenho, isto sem considerar os ambientes tóxicos de alta competitividade que predominam nas organizações.

Enfim, estamos doentes de nós mesmos e temos que refletir sobre que Filosofia queremos praticar para alavancarmos a potência de nossa angústia por meio do sentido de nossa existência, minimizando o desespero e normalizando a ansiedade. Na maioria dos casos não devemos tentar eliminar a ansiedade, pois isto pode gerar um círculo vicioso que traga mais ansiedade, retroalimentando o processo. Pelo contrário, devemos dançar com ela para entender seu movimento e deixar que flua como uma onda até que se esvaia. Caso tenha que lutar com ela, faça-o com golpes de judô, aproveitando o seu peso a seu favor, para que não tenha que combatê-la frontalmente com Rivotril e Lexotan.

Carlos Assis[1]

[1]  Psicólogo Clínico e CEO da Philos Org..

 

Referências Bibliográficas.

— KIERKEGAARD, Soren A.. O Conceito de Angústia. 3a edição. Editora Vozes, 2015.
— KIERKEGAARD, Soren A.. O desespero humano: Doença até a morte. 1a edição.
Editora Unesp, 2010.
— American Psychiatric Association. DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais. 5a edição. Editora Artmed, 2014.
— FREUD, Sigmund. (1996) Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.. (1894e) “Sobre os fundamentos para destacar da
neurastenia uma síndrome específica denominada ‘neurose de angústia’”, v. III, p.91-120