Empresas precisam levar a sério a preocupação com a Saúde Mental
O Anuário Saúde Mental nas Empresas 2024 mostra redução no índice de promoção de bem-estar pelas grandes empresas brasileiras em relação ao ano anterior, passando de 5,40 pontos em 2023 para 5,05 neste ano. Para chegar a essas conclusões, analisamos os relatos integrados, documentos elaborados pelas próprias organizações para prestar contas à sociedade e, consequentemente, gerar mais valor ao negócio.
Entre os oito setores analisados, o Financeiro aparece positivamente na liderança com um índice de 11,34. A preocupação não é à toa: é esse ramo da economia que apresenta o maior número de afastamento de empregados por transtornos mentais. Na ponta oposta do ranking do Anuário, aparece negativamente o setor Agropecuário, com índice de 1,91. Esse número acende um alerta, pois as doenças mentais, comportamentais e nervosas foram a segunda maior causa de afastamentos não acidentários no Agro entre 2020-2022, de acordo com o Observatório de Saúde e Segurança no Trabalho.
O propósito do Anuário é iluminar o que tem sido feito de melhor para inspirar e influenciar as demais organizações na adoção de uma estratégia verdadeira e efetiva para a saúde mental dos colaboradores. A metodologia cobre integralmente os pontos elencados na legislação recente que criou o Certificado de Empresa Promotora da Saúde Mental. Em março, a Lei nº 14.831 foi sancionada, mas muitas questões ainda precisam ser respondidas e não há prazo para que o Congresso aprove a regulamentação.
Certificar uma empresa que adote um conjunto de boas práticas é muito bem-vindo, mas isso, por si só, não resolve. Saúde mental não deve ser um tema sazonal e não vamos resolver esse desafio de forma isolada apenas por uma lei de incentivo.
Dentro da agenda ESG o termo greenwashing ilustra quando uma organização implementa estratégias e propagandas enganosas sobre suas práticas ambientais. O mundo cobra, cada vez mais, que as empresas observem princípios sociais e de governança, e a sensibilização das lideranças corporativas é determinante para alavancar esta pauta.
Precisamos cuidar do ambiente no qual o indivíduo está inserido, trabalhando o sentido existencial em uma atmosfera de acolhimento, escuta e segurança psicológica. No contexto empresarial, este é um papel a ser exercido por e para as lideranças corporativas pois, ao mesmo tempo que são agentes de promoção da saúde mental, são também indivíduos que precisam
de cuidados.
Se isso não for adotado de forma séria, corremos o risco de ter uma espécie de mentalwashing: a declaração de ações muito bonitas no papel, inclusive seguindo a lei, mas que, no dia-a-dia, não são efetivas e não estão enraizadas na cultura e cotidiano da organização.
*Carlos Assis, editor do Anuário Saúde Mental nas Empresas. Psicólogo clínico e executivo com mais de 35 anos de experiência internacional.
Foi responsável por projetos internacionais de gestão de mudanças organizacionais em equipes multidisciplinares como, por exemplo, na Ernst & Young, organização da qual é sócio aposentado. É fundador do Instituto Philos Org e diretor da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS).
Anuário Saúde Mental nas Empresas 2024
O Anuário Saúde Mental nas Empresas 2024 consiste no mais amplo estudo já realizado em relação a iniciativas e compromissos com a promoção da Saúde Mental dos 100 maiores grupos empresariais do Brasil, que conjuntamente registram cerca de 3 milhões de empregados e faturam quase 5 trilhões de reais.
O presente estudo é um marco de transparência, análise e classificação do quanto as empresas brasileiras investem de seu tempo, planejamento e recursos para enfrentar esse mal que, embora não raro oculto, tem um impacto profundo na qualidade da vida, do trabalho e da produção.
Nosso estudo é um ponto de partida para que se dê ao tema da preservação da saúde mental, de maneira preventiva e estrutural, o valor que ele merece, conforme indicam os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) da Organização Mundial da Saúde (OMS).
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O Brasil é o 1° do mundo em transtornos de ansiedade, além do 2º país das Américas com a maior prevalência de transtornos de depressão.
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60% dos brasileiros afirmam que o trabalho é uma fonte de ansiedade, estresse e tristeza sendo que 72% dos que estão no mercado de trabalho sofrem de alguma sequela decorrente de estresse.
As empresas brasileiras não somente têm uma enorme responsabilidade na promoção da Saúde Mental como encontram nela um veio de crescimento, ganho de eficiência e compromisso com a população e o futuro das próximas gerações.
O Anuário visa ampliar o conhecimento da sociedade sobre o tema da saúde mental corporativa de incentivar o desenvolvimento, compromisso e divulgação com as melhores práticas na área.
Desafios e Limites na Prevenção ao Suicídio Relacionado ao Trabalho
O filósofo francês Albert Camus, no ensaio O Mito de Sísifo, descreve o suicídio como o único problema filosófico realmente sério: “julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia”. O suicídio já foi tratado de diversas formas, variando em função da cultura e do momento histórico, desde considerado um gesto heroico, até expressão do pecado ou da loucura. Somente nas primeiras décadas do século XXI é que a temática do suicídio relacionado ao trabalho passou a ser uma questão para estudiosos do mundo empresarial. Estudos sobre a psicodinâmica laboral apontam a centralidade do trabalho na saúde mental, bem como a invisibilidade do fenômeno do suicídio relacionado ao trabalho, uma vez que, na maior parte das vezes, não se consegue estabelecer relações que liguem o ato do suicídio diretamente a questões do trabalho.
Durante o Setembro Amarelo, uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio implementada em 2015, muitas empresas desenvolvem campanhas pontuais de conscientização e comunicação, na expectativa de estarem fazendo sua parte na prevenção ao suicídio, porém campanhas pontuais desta natureza por si só, não geram redução efetiva do número de mortes por suicídio. Dados do Sinan demonstram que o Setembro Amarelo não alterou a tendência histórica de crescimento dos suicídios no Brasil após sua implementação, uma vez que houve aumento nas taxas anuais de mortes por suicídio entre 2011 e 2019, com 4,99 e 6,41 suicídios por 100 mil habitantes, respectivamente. Adicionalmente, houve um aumento de 6,2% no risco de mortalidade em 2017 e de 8,6% em 2019. A deficiência de ações multissetoriais pode explicar este fenômeno, o que corrobora a necessidade de associarmos políticas públicas e privadas com novas linhas de ação focadas na formação de profissionais e lideranças. A prevenção do suicídio deve estar inserida em um contexto mais amplo de saúde mental, com ações contínuas e integradas em múltiplas esferas, pois soluções simples para problemas complexos geralmente são limitadas ou estão equivocadas.
O suicídio é um fenômeno multifatorial com grande complexidade no entendimento das suas causas e sua ocorrência nos leva a refletir que o trabalhador precisava de algum acolhimento que não foi disponibilizado quando necessário. Estudos realizados em diversos países, incluindo o Brasil, apontam as transformações organizacionais e seu modelo de gestão como potenciais desencadeadores do suicídio entre trabalhadores. São muitos os fatores, tais como frequentes reestruturações, desemprego, imprevisibilidade, exigências contínuas e aceleradas, fragilização dos limites entre a vida privada e profissional, precarização, novos modelos de trabalho, competitividade, entre outras. Esses elementos, carregados por forte conteúdo emocional, vivenciados dentro de um “período crítico”, provocariam uma desorganização psíquica tal no indivíduo, desencadeando nele uma crise suicida. Adicionalmente, tais aspectos, vistos como inerentes ao modelo econômico atual, acabam também naturalizando o mal-estar que acomete o ambiente de trabalho
Os modelos de prevenção usualmente consideram perfis de risco para direcionar ações que se antecipem a consumação do ato. Os principais fatores de risco de suicídio são o histórico de tentativa, a presença de transtornos mentais, aspectos psicológicos, fatores sociodemográficos e condições clínicas incapacitantes. Neste contexto, muitas estratégias focam em evitar que determinados indivíduos considerados de risco cometam suicídio, em uma visão pragmática de causa e efeito, subordinada às leis da lógica como campo de compreensão do homem. Acontece, no entanto, que as vivências humanas não “cabem” dentro de uma lei lógica, quantificável, medida com precisão, cultura predominante no universo corporativo.
Nem toda ideação suicida resulta em suicídio e nem todo o suicídio é precedido de ideações suicidas. Pesquisas apontam que mais de 50% dos suicídios não são precedidos de ideação nem oferecem sinais prévios facilmente identificáveis. Muitas vezes, uma crise psíquica intensa, deflagrada por elementos culturais ou ambientais, podem levar o indivíduo ao suicídio diante de uma oportunidade que se apresente no curso da crise. Mas como preveni-lo nestas circunstâncias?
A forma que se apresenta é cuidar do ambiente no qual o indivíduo está inserido, trabalhando o sentido existencial em uma atmosfera de acolhimento, escuta e segurança psicológica. Diante do desafio de antecipar o movimento de um indivíduo, deve-se focar em melhorar o ambiente no qual o conjunto de indivíduos está inserido, em múltiplas dimensões. No contexto empresarial, este é um papel a ser exercido por e para as lideranças corporativas, pois ao mesmo tempo que são agentes de prevenção, são potencialmente indivíduos a serem cuidados.
O suicídio nunca é o resultado de um evento ou fator único, mas consequência da interação complexa de vários fatores, o que faz com que as organizações, muitas vezes, procurem isentar-se de sua responsabilidade, imputando, geralmente, o gesto suicidário a um “temperamento” depressivo ou psicopatológico próprio ao suicida, ou ainda a conflitos afetivos que ele desenvolvia na esfera privada. Desta forma, o tema segue revestido por um véu, quase um pacto de silencio, uma espécie de tabu no interior das organizações e instituições. A incompreensão, a negação das relações entre suicídios com as questões relacionadas ao trabalho, o não entendimento da determinação do trabalho sobre a saúde mental, podem reduzir as possibilidades de se construir ações políticas para a mudança dessas realidades.
Angustia e Ansiedade como constituintes da existência
A Angústia e a Ansiedade são muitas vezes entendidas como transtornos a serem combatidos por prejudicarem o bem-estar e a produtividade do indivíduo. A sociedade moderna se propõe a eliminá-las ou controlá-las, quando poderiam ser entendidas como elementos indissociáveis da condição humana e aliadas importantes do crescimento e da realização plena como indivíduo. Soren Kierkegaard, filósofo dinamarquês do início do século XVIII, nos apresenta uma visão disruptiva no qual a Angústia se torna uma potência que nos move para a realização e o propósito, alterando o entendimento acerca da ansiedade e do desespero na modernidade.
Resumo
- A angústia é constitutiva da existência e consiste na dor do homem ter que tornar-se si mesmo, pois a existência traz consigo a tarefa de decidir e toda a decisão é cisão, ruptura. Mas a angústia é também o elemento que move nossa potência, pois é a partir dela que buscamos saltos para estados de maior realização pessoal e crescimento.
- As raízes da ansiedade se encontram nas reações de defesa dos animais em face de estímulos que representam perigo/ameaça. Freud utiliza o conceito de “ansiedade como sinal”, que considera a ansiedade como uma reação adaptativa a situações de perigo.
- A forma como a ansiedade nos acomete na modernidade é produto da sociedade contemporânea e está impregnada em sua própria estrutura de funcionamento e na dinâmica da relação entre as pessoas.
A angústia e a ansiedade tem sido objeto de interesse da Filosofia e da Psicologia há séculos, mas ainda persiste uma certa dificuldade de diferenciação entre ansiedade e angústia. Ambos os termos advém do verbo grego “agkhô”: eu aperto, eu estreito. Daí derivam no latim os verbos ango e anxio que significam aperto, constrição física e tormento. Quem nunca teve aquele aperto no peito que se pode sentir quase que fisicamente, mas que muitas vezes não conseguimos entender psiquicamente em sua totalidade?
Dados da OMS indicam que o Brasil é o país com maior número de pessoas ansiosas no mundo e que 86% dos brasileiros sofrem com algum transtorno mental, como a ansiedade e a depressão, sendo a Síndrome de Burnout uma das doenças ocupacionais que mais causam afastamentos do trabalho. Os transtornos mentais e comportamentais ocupam a 3ª causa de incapacidade para o trabalho, correspondendo a 9% na concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. (Secretaria de Previdência/Ministério da Fazenda/2017)
Os chamados “estados ansiosos”, enquanto quadros patológicos, só começaram a ser abordados de forma estruturada pela Psiquiatria com os estudos de Sigmund Freud no final do século XIX, quando ele diferenciou a “Angnstneurose” (“Neurose de Angústia”) da Neurastenia e a ansiedade crônica dos ataques de ansiedade. A visão psicanalítica Freudiana prevaleceu por muitos anos, mas a partir dos anos 1960 o desenvolvimento da psicofarmacologia impulsionado pela indústria farmacêutica trouxe uma nova abordagem, onde se busca classificar os estados de ansiedade por meio de critérios de diagnóstico em Transtornos a serem combatidos com medicamentos.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM V estipula que “os transtornos de ansiedade incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionados. Medo é a resposta emocional a ameaça iminente real ou percebida, enquanto ansiedade é a antecipação de ameaça futura”. A Psiquiatria evolutiva entende que as raízes da ansiedade se encontram nas reações de defesa dos animais em face de estímulos que representam perigo/ameaça à sobrevivência, ao bem-estar ou à integridade física. Neste contexto, Charles Darwin influenciou Freud no conceito de ansiedade como sinal, que considera ansiedade como uma reação adaptativa a situações de perigo.
Mas não podemos falar de Ansiedade na ótica da Psicologia ou da Psicofarmacologia, sem antes refletirmos acerca do conceito de Angústia pelas lentes da Filosofia, notadamente sob o ponto de vista Fenomenológico Existencial. Soren Kierkegaard foi um filósofo dinamarquês nascido em 1813, considerado o pai do Existencialismo, que nos anunciou um modo novo de fazer Filosofia, surgido da relação estreita entre existir como pessoa e a consciência desse existir, onde a existência não se constitui em algo metafísico, fora do homem, mas sim na existência dentro do próprio homem. Kierkegaard acreditava na busca por uma verdade subjetiva: “encontrar uma verdade que seja verdade para mim, encontrar a ideia pela qual eu esteja disposto a viver e morrer”.
Em um mundo que não controlamos e no qual não existe uma dimensão metafísica externa para nos salvar, a tarefa da existência se torna bastante complexa. Em “O Conceito de Angústia” de 1844, Kierkegaard aborda este elemento central de sua filosofia, entendendo a angústia como um componente fundamental da constituição do homem. O Homem, no si mesmo, está implicado necessariamente na angústia, que não é um mal externo que o acomete, mas algo positivo que o compõe. Como dizia Kierkegaard, nem Deus nem os anjos têm angústia. Ela consiste na dor do homem ter que tornar-se si mesmo, pois a existência traz consigo a tarefa de decidir o tempo todo e decisão é cisão, ruptura. Não podemos ter nem escolher tudo e não controlamos todos os acontecimentos, pois a existência é um fluxo de possibilidades que demanda escolhas contínuas. Neste contexto a Angústia é o elemento que move nossa potência, pois é a partir dela que buscamos saltos para estados de maior realização pessoal e crescimento.
Já em “O Desespero Humano (Doença até a Morte)” de 1849, Kierkegaard aborda o desespero a partir de outra perspectiva. Contrariamente à angústia, o desespero não é um elemento constitutivo do si mesmo, mas um desequilíbrio entre os elementos constitutivos do indivíduo que o impede de se realizar na sua plenitude, impedindo os saltos que movem a existência.
Ora, considerando então que a angústia seja um elemento natural compatível com os desafios da tarefa de existir e a ansiedade uma resposta natural adaptativa, por que se tornaram inimigos a serem combatidos na modernidade? A Psicofarmacologia, que procura circunscrever objetivamente o que caracteriza a angústia e a ansiedade e quais seriam as suas causas para eliminá-las com medicamentos, ganhou enorme importância com os robustos financiamentos da indústria farmacêutica e a guerra das patentes no processo de medicalização.
É importante diferenciarmos o medo da ansiedade. A ansiedade está geralmente associada a uma ameaça desconhecida, interna, vaga e conflituosa, insidiosa, representando normalmente Conflitos Intrapsíquicos (Eu e o mundo interno). Já o medo se refere a uma ameaça conhecida, externa, definida e sem conflitos, súbita, representando normalmente Conflitos Interpessoais (Eu e o mundo externo).
Os transtornos de ansiedade, de acordo com o DSM V, se diferenciam do medo ou da ansiedade adaptativos por serem excessivos ou persistirem além de períodos apropriados ao nível de desenvolvimento, sendo caracterizados por ansiedade e preocupação excessivas na maioria dos dias que o indivíduo considera difícil controlar. São comuns sintomas tais quais inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele, fatigabilidade, dificuldade em concentrar-se ou sensações de “branco” na mente, irritabilidade, tensão muscular, perturbação do sono. Estes sintomas acabam gerando grande demanda nos serviços de saúde sem serem diagnosticados.
A ansiedade que nos acomete é produto da sociedade moderna e está impregnada em sua própria estrutura de funcionamento e na dinâmica de relação entre as pessoas, rápida, competitiva, superficial e digital. Além disto, não só se busca eliminar a angústia e a ansiedade como impor o discurso da felicidade compulsória, a ser compartilhada nas redes sociais e praticada nas organizações em programas motivacionais. Em “Modernidade Líquida” Zygmunt Bauman, nos alerta que as relações se tornaram fluídas e superficiais, sendo que a velocidade e as formas de comunicação se alteraram dramaticamente em um mundo digital cada vez mais desumanizado. A sociedade acaba por criar doenças crônicas em pessoas que não se adequam ao padrão que o sistema neoliberal as impõe, onde se tornou angustiante não ser produtivo. A todo momento os indivíduos estão sendo induzidos a fugir do ócio para produzir, pois os agentes do sistema disseminam a crença de que o fracasso é fruto da falta de trabalho e empenho, isto sem considerar os ambientes tóxicos de alta competitividade que predominam nas organizações.
Enfim, estamos doentes de nós mesmos e temos que refletir sobre que Filosofia queremos praticar para alavancarmos a potência de nossa angústia por meio do sentido de nossa existência, minimizando o desespero e normalizando a ansiedade. Na maioria dos casos não devemos tentar eliminar a ansiedade, pois isto pode gerar um círculo vicioso que traga mais ansiedade, retroalimentando o processo. Pelo contrário, devemos dançar com ela para entender seu movimento e deixar que flua como uma onda até que se esvaia. Caso tenha que lutar com ela, faça-o com golpes de judô, aproveitando o seu peso a seu favor, para que não tenha que combatê-la frontalmente com Rivotril e Lexotan.
Carlos Assis[1]
[1] Psicólogo Clínico e CEO da Philos Org..
Referências Bibliográficas.
— KIERKEGAARD, Soren A.. O Conceito de Angústia. 3a edição. Editora Vozes, 2015.
— KIERKEGAARD, Soren A.. O desespero humano: Doença até a morte. 1a edição.
Editora Unesp, 2010.
— American Psychiatric Association. DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais. 5a edição. Editora Artmed, 2014.
— FREUD, Sigmund. (1996) Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.. (1894e) “Sobre os fundamentos para destacar da
neurastenia uma síndrome específica denominada ‘neurose de angústia’”, v. III, p.91-120
O castigo de Sísifo como história da condição humana.
A história de Sísifo foi muito famosa na antiga Grécia, e ganhou novos contornos na sociedade atual com seu uso na obra de Arthur Schopenhauer O mundo como vontade e representação. Albert Camus, filósofo franco-argelino do século XX, se apropria do mito para traçar as semelhanças entre o seu castigo e a condição humana no mundo capitalista industrial.
Resumo
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- Sísifo: o astuto que enganou a morte três vezes
- O castigo de Sísifo e o absurdo camusiano: a desesperança causada pelo rolar da pedra de volta ao ponto inicial.
- A redenção de uma vida absurda: é preciso imaginarmos Sísifo feliz.
Os antigos contam que Sísifo foi o mortal mais astuto que já pisou na Terra. Um dia, ele reconheceu a bela Egina, filha de Esopo (deus rio), nas garras de uma águia que sobrevoava os céus, e resolveu contar o fato para Esopo, desde que este fornecesse uma fonte d’água para sua cidade.
Muito irritado com a situação, pois Sísifo estava rompendo com as condições da natureza, Zeus manda Thanatos (a morte), buscar o astuto como castigo. E é aí que Sísifo engana a morte pela primeira vez. Quando a morte chega para buscá-lo, Sísifo se mostra contente. Sabiamente, reparou que ela sempre é recebida com tristeza e lamentos, portanto resolveu fazer diferente: buscou uma corrente e a ofertou como um colar, pois reconhecia seu valor e sabia que ela não merecia ser tratada daquela maneira. Ao aceitar o presente, ela fica presa e Sísifo foge.
Com Thanatos aprisionado, as pessoas ficaram um tempo sem morrer, o que gerou a revolta de Hades (que não mais recebia suas almas) e de Ares (que precisava da morte na consumação de suas batalhas). Hades, então, acha e liberta a morte, ordenando que ela busque Sísifo. Antes de morrer, porém, o astuto pede à sua esposa que o jogue na beira de um rio, sem os rituais fúnebres necessários. Assim ela procede. Ao chegar em Hades, Sísifo se diz enfurecido, pois sua esposa havia deixado seu corpo à margem de um rio qualquer, sem os rituais necessários para sua passagem e sem as oferendas tão prezadas pelo deus. Então ele pede mais um dia de prazo para que volte e castigue a esposa, e Hades concede. Desta maneira, Sísifo engana a morte mais uma vez.
Por fim, já muito idoso, Sísifo não mais consegue fugir da morte e se entrega ao nosso trágico destino. Quando chega ao Tártaro, é condenado a rolar, incessantemente, uma pedra de mármore ao cume de um monte inclinado, que faz com que a pedra caia e ele tenha que levá-la de novo, assim eternamente, pois os deuses achavam que nada poderia ser pior do que ser condenado ao trabalho sem sentido.
Camus se debruça sobre o castigo de Sísifo para pensar a condição do ser humano moderno em uma sociedade industrial: vivemos, incessantemente, uma vida sem sentido, desarmônica entre a causa e o efeito. Desde a mocidade, Camus repara nessa desarmonia, que mais maduro vai dar nome de absurdo. É interessante olharmos no dicionário a palavra, e vermos que ela significa “algo sem sentido” ou “irracional” (incapaz de ser captado pela racionalidade). Se a vida é absurda e Camus está certo, ela não tem sentido. O interessante desse ensaio é que o autor não se preocupa em explicar o conceito por entender que não é meramente algo conceitual, mas sim a condição da vida humana, que deve ser sentida.
É super importante, portanto, pensarmos no mito de Sísifo para entendermos o pensamento do autor franco-argelino: para enxergar o absurdo, não devemos olhar para a vida astuta de Sísifo, muito menos para seu castigo; é necessário pensarmos no exato momento em que ele repara o cair da pedra; o exato momento em que ele se dá conta de que todo o seu trabalho foi em vão, que não o levou a nada, que terá de ser repetido ad infinitum sem uma finalidade muito bem definida.
O absurdo diz respeito ao divórcio entre o mundo que nos circunda e nós mesmos. O absurdo é um “pecado sem deus”. O universo é indiferente ao ser humano não por ser mau, mas por ser incapaz de ser de outra maneira. Estamos sozinhos e isolados num mundo inteiramente estranho; somos estrangeiros. E por isso este é o nome de um dos romances mais famosos do século passado.
Jorge Luiz Sales[1]
Referências Bibliográficas.
— CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. 26a edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2018.
— HOMERO. Odisseia. 1a edição. São Paulo: Editora Penguin, 2018.
— ________. Ilíada. 1a edição. São Paulo: Editora Penguin, 2018.
[1] Mestrando em Filosofia pela PUC RJ e graduado na mesma instituição.
O corpo dita as regras > Nietzsche e o si-mesmo.
Uma das principais características do pensamento ocidental, que o acompanha desde Platão, é a separação entre as instâncias existenciais dos seres humanos — corpo e espírito. O pensamento platônico não somente separou-as em camadas, como também hierarquizou-as moralmente. Dois milênios depois, surge Nietzsche com a proposta de remendar essas pontas, movimentá-las de alguma maneira, nos trazendo reflexões importantíssimas para os dias atuais.
Resumo
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- A vida humana foi separada em corpo e espírito. Platão negou os aparatos do corpo (sentidos, opinião) em prol dos do espírito (razão, conhecimento, ideia)
- O corpo como produto da interação entre forças: o consciente como menor parte da existência humana
- O gráfico de Deleuze: Niilismo em quatro partes.
Desde Platão que é possível notarmos uma evidente separação entre corpo (aparência, opinião, doxa) e espírito (razão, verdade, logos). O curioso é que Platão não somente separou a existência em duas instâncias, como também a hierarquizou; a partir de Sócrates, somente é válido aquilo que é racional, que está submetido ao logos, e toda e qualquer doxa deve ser descartada por ser potencialmente enganosa.
Nietzsche, de maneira muito sugestiva, resolve inverter essa hierarquia. Reparem: não acabar com ela, mas inverter. Segundo repara Deleuze, para Nietzsche, todo corpo é o resultado da interação entre forças desiguais, onde temos, naturalmente, uma superior (ativa) e uma inferior (reativa). A terminologia é importante pois, intuitivamente, pensaríamos que ao lado da força ativa, em um corpo, estaria uma força passiva; porém Nietzsche nos diz que toda força mantém sua potência, mesmo em um corpo. Enquanto uma existe dominando, a outra existe concedendo sua existência a dominação; mas não deixando de existir.
Como o encontro entre duas forças é totalmente ocasional e arbitrário, também a formação de um corpo o é, e isso impressionava Nietzsche, que dizia que nada poderia ser mais surpreendente que o corpo humano, que existia enquanto tal meio a tanta arbitrariedade. Neste corpo, a força reativa se faz presente, aparente, através da consciência. Esta, por sua vez, se vê submetida a uma superioridade, a uma elevação: o corpo. Daí a inversão.
Nos Desprezadores do Corpo, de Assim falava Zaratustra, Nietzsche contrapõe o Eu e o Si-mesmo. “Teu Si-mesmo ri de teu Eu e de seus saltos orgulhosos”. O corpo, segundo Nietzsche, carregaria o que de mais elevado existe na realidade; aquilo que Freud chamou de inconsciente, Nietzsche chama de corpo. “Por trás dos teus pensamentos e sentimentos, irmão, há um poderoso soberano, um sábio desconhecido — ele se chama Si-mesmo. Em teu corpo habita ele, teu corpo é ele. Há mais razão em teu corpo que em tua melhor sabedoria.”[1] Tendo dito isto, agora, em Nietzsche, na hierarquia das forças (ativa superior e reativa inferior), o corpo estaria mais elevado que a consciência, que a razão.
Deleuze debruçado sobre essa análise, desenvolve, os conceitos de niilismo baseados na filosofia nietzscheana. Para exemplificar, criamos o seguinte gráfico:
O niilismo negativo é a primeira forma de niilismo, muito presente no cristianismo e na filosofia socrática: em prol de uma realidade fictícia, inventada, nega-se a que vivemos. Ela é a que Nietzsche mais cita ao longo de sua obra, como a mais nociva ao ser humano. Seria o nada de vontade.
O niilismo reativo surge depois, muito presente na literatura russa do século XIX e, depois, famosamente discutido no existencialismo francês. É uma reação à imposição da ficção perante a consciência. De tão repressora que foi a ideia de Deus, de Moral, de Paraíso, surge a vontade de nada. Muito bem conceituado através da figura de Bazárov, de Turguêniev, o niilista negativo põe em evidência, agora, a razão e as coisas que provêm da mesma. Deus está morto, todo e qualquer projeto metafísico também. Tendo isto em vista, a vida não tem qualquer sentido, uma vez que está sujeita a um mundo indiferente a ela. A Razão agora é dominante, é o grande ídolo do dogma moderno; dela provém toda a redenção da vida. Mesmo Camus, grande filósofo absurdista, diz que é necessário imaginarmos uma felicidade no sofrimento que é a vida; imaginarmos uma realidade onde, mesmo condenados a sofrer enquanto seres vivos, revidamos com nossa racionalidade a toda essa indiferença.
O último dos três niilismos é o passivo. Neste, é também possível ver uma redução da vida a um nada. Porém, diferentemente das outras formas de niilismo já vistas, agora é possível ver uma evolução no ser humano. Não existe propriamente um dogma, não existe mais um ídolo; os valores, no entanto, seguem os mesmos. Nega-se a vida em prol de uma ilusão. Nietzsche usa a figura do budismo para exemplificar essa forma de niilismo. É passiva pois não está ativamente negando nada, mas abrindo mão passivamente da vida para alcançar o objeto além da vida.
Tendo em vista o rumo que o curso humano vinha tomando, e de maneira oposta ao niilismo passivo, Nietzsche concorda que é necessária e bem vinda a evolução do ser humano. É necessário que não nos prendamos mais a nenhum dogma, e que neguemos o curso de nossa história até então. Porém, é de maneira ativa que devemos nos afirmar, que devemos construir, que devemos pôr em prática tudo que idealmente teorizamos. O Niilista Ativo também nega a vida, mas para afirmá-la. É no conselho de Dionísio à Ariadne que se expressa a importância do niilismo Ativo: “Não é preciso antes se odiar, para se amar?”. É preciso se negar para se construir, para se reinventar. Do vazio nascem as mais puras criações. O além do homem (Der Übermensch).
Jorge Luiz Sales[2]
Referências bibliográficas
— DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. 1a edição. São Paulo: N-1 edições, 2018.
— NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. 1a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
— __________. Além do bem e do mal. 1a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
—__________. Assim falou Zaratustra. 1a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
—__________. O anticristo e Ditirambos de Dionísio. 1a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
— MARCONDES, Danilo. Introdução a história da Filosofia: dos pré socráticos a Wittgenstein. 2a edição. São Paulo: Editora Zahar, 1997.
— TURGUÊNIEV, Ivan. Pais e Filhos. 1a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
[1] Dos desprezadores do Corpo in Assim falava Zaratustra. Cia das Letras, São Paulo, 2018.
[2] Mestrando em Filosofia pela PUC RJ e graduado na mesma instituição.
Anuário Saúde Mental nas Empresas 2023
O Anuário Saúde Mental nas Empresas 2023 consiste no mais amplo estudo já realizado em relação a iniciativas e compromissos com a promoção da Saúde Mental dos 100 maiores grupos empresariais do Brasil, que conjuntamente registram cerca de 3 milhões de empregados e faturam quase 5 trilhões de reais.
O presente estudo pretende ser um marco de transparência, análise e classificação do quanto as empresas brasileiras investem de seu tempo, planejamento e recursos para enfrentar esse mal que, embora não raro oculto, tem um impacto profundo na qualidade da vida, do trabalho e da produção.
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O Brasil é o 1° do mundo em transtornos de ansiedade, além do 2º país das Américas com a maior prevalência de transtornos de depressão.
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60% dos brasileiros afirmam que o trabalho é uma fonte de ansiedade, estresse e tristeza sendo que 72% dos que estão no mercado de trabalho sofrem de alguma sequela decorrente de estresse.
As empresas brasileiras não somente têm uma enorme responsabilidade na promoção da Saúde Mental como encontram nela um veio de crescimento, ganho de eficiência e compromisso com a população e o futuro das próximas gerações.
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Sociedade do Cansaço
O objeto de estudo do texto de Byung-Chul Han já foi, muito provavelmente, diagnosticado por todos os leitores: estamos cansados, esgotados, trocando os momentos de sociabilidade pelos de solidão e descanso. Porém, a exaustão em questão, não é a física — muito embora também estejamos acumulando funções de trabalho, faculdade, casa e lazer — é a mental.
Resumo
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- O século passado foi desvelado pela psicanálise freudiana como repressivo, e viu suas instituições se derreterem nos dias atuais.
- A ideia de indústria cultural, desenvolvida por Adorno, ganha novos contornos com o movimento dataísta, encabeçado por nomes como Elon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos.
- A proposta de despir o ser humano da sociedade capitalista enquanto tentativa de vivenciarmos o tempo de maneira diferente.
A sociedade vive a transição das suas estruturas de poder, que antes, com as prisões, asilos, manicômios, quartéis generais e hospitais, reprimiam e disciplinavam através da negação da vontade, e que hoje buscam a ampliação da expressão do indivíduo, abdicando dessas instituições em prol da liberdade da vontade. Esta é a grande característica do que o filósofo sul-coreano Byung Chul Han chamou de sociedade do desempenho: uma sociedade que, segundo afirma, só é possível com o desenvolvimento do discurso neoliberal. Diferentemente do século passado, onde a narrativa freudiana psicanalítica ganhou amplitude em um mundo extremamente repressivo, hoje vivemos numa civilização que é obrigada a correr atrás do si-próprio, da autenticidade, do “seja você mesmo”, e que se vê muito bem representada pela máxima de campanha de Barack Obama: Yes, we can.
Os avanços da técnica na atual sociedade vão muito além dos objetos que nos trazem alguma perspectiva de domínio da natureza; criam, também, a mentalidade de que tudo tem que ser mais eficiente, otimizado e racional. Esse modus operandi espalhou-se de tal maneira que não é mais possível pensar em outras alternativas de organização social que não obedeçam a essa temática. Contudo, o mundo da técnica é um mundo de meios, e não de fins, e acaba por criar indivíduos que, como disse Tolstói, “são capazes de caminhar por um bosque na primavera e só enxergarem lenha”.
Uma outra consequência do discurso técnico é o dataísmo, que é um movimento crescente no mundo de utilização de dados para influenciar escolhas. O tamanho da influência que a manipulação de dados tem na sociedade pôde ser percebida nas eleições norte-americanas de 2016 e brasileiras de 2018. Os eventos nos fizeram experimentar uma perspectiva interessante do ponto de vista existencial, pois, aparentemente, os humanos modernos gozam de muito mais liberdade que seus antepassados, porém, em contrapartida, não conseguem experimentar plenamente essa liberdade, uma vez que suas decisões estão sendo totalmente influenciadas.
Adorno dizia que é através da técnica que os mais ricos, detentores do capital, exercem seu poder sobre os mais pobres, utilizando-se dos veículos de massa para disseminar sua influência, alienando a vontade geral e induzindo os cidadãos ao consumo. A consequência direta é a produção de desejos, possibilitada pelas propagandas que criam uma padronização exagerada dos objetos desse desejo — todos passam a querer os mesmos carros, as mesmas casas, querem consumir as mesmas marcas, ou seja, se tornam fielmente iguais uns aos outros, mesmo quando acham que estão sendo autênticos.
A mídia cria a ideia de que somos únicos e especiais, que somos capazes de tudo desde que trabalhemos para conseguir. Porém, segundo Han, é também nesse movimento que os indivíduos caem na mesma vala da igualdade, buscando os mesmos objetivos, totalmente convencidos de que estão sendo os mais originais possíveis. Nota-se que mesmo na mais empenhada das pessoas existe certa dificuldade em conseguir, ou mesmo impossibilidade, uma vez que a mais original das buscas da produção do eu, passa muito menos por uma espiritualização e muito mais por uma tentativa de criação de “diferenças comercializáveis”. Vivemos na ditadura do igual.
Na busca desenfreada pela padronização dos indivíduos, em sua massificação, a sociedade acaba por criar doenças crônicas, como a depressão e o burnout, causadas em pessoas que não se adequam ao padrão que o sistema neoliberal as impõe. Mostra-se angustiante não ser produtivo. A todo momento os indivíduos estão sendo induzidos a fugir do ócio para produzir. O ser humano moderno é o principal ativo desse mecanismo, onde o sistema que o rege trabalha constantemente no constrangimento daqueles que, de alguma maneira, não se adaptam. Segundo Han, é possível concluir através desse raciocínio que a repressão agora vem de dentro, e não mais de fora. Não mais lutamos contra tiranos ou governos que nos reprimem. Agora nossa luta é interna, contra nós mesmos, pois os agentes do sistema atuam na disseminação da crença de que o fracasso é fruto da falta de trabalho e empenho. Dessa “revolução contra si mesmo”, desse tentar aniquilar um eu que naturalmente não se encaixa na roda, e de fabricar um novo personagem do qual somos atores, surge o que o autor chama de uma alienação de si mesmo, um esvaziamento de si próprio, um cansaço a níveis existenciais.
Por fim, o filósofo sul-coreano propõe que devemos começar a repensar nossa relação com o tempo. É preciso retomar o ócio como algo natural, ao invés de um “parar para recompor as forças e retomar a produção”, e fomentá-lo como um ócio original, despreocupado, que regenera, espiritualiza e nos põe em contato com nós mesmos e com a natureza que nos cerca, com propósitos macunaímicos de esvaziamento do alarido da cidade, da corrida contra o tempo; pois essa sociedade do desempenho, esgotada, esvaziada de seus propósitos, acaba se tornando o que o autor chama de sociedade do cansaço, que torna o doping cada vez mais comum na busca por potencializar a eficiência e a robotização do corpo humano, transformando-o em mais um instrumento a ser utilizado pela máquina na geração de ativos econômicos.
Jorge Luiz Sales[1]
Referências Bibliográficas
— HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. 1a edição. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2015.
— GELI, Carles. Byung-Chul Han:“Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização”. Barcelona: El País, 2018.
— TOLSTÓI, Liev. Guerra e Paz. 1a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
— ADORNO, Theodor W. Indústria Cultural. 15a edição. São Paulo: Paz e Terra, 2021.
[1] Mestrando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Graduado em licenciatura na mesma institução.