O filósofo francês Albert Camus, no ensaio O Mito de Sísifo, descreve o suicídio como o único problema filosófico realmente sério: “julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia”. O suicídio já foi tratado de diversas formas, variando em função da cultura e do momento histórico, desde considerado um gesto heroico, até expressão do pecado ou da loucura. Somente nas primeiras décadas do século XXI é que a temática do suicídio relacionado ao trabalho passou a ser uma questão para estudiosos do mundo empresarial. Estudos sobre a psicodinâmica laboral apontam a centralidade do trabalho na saúde mental, bem como a invisibilidade do fenômeno do suicídio relacionado ao trabalho, uma vez que, na maior parte das vezes, não se consegue estabelecer relações que liguem o ato do suicídio diretamente a questões do trabalho.
Durante o Setembro Amarelo, uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio implementada em 2015, muitas empresas desenvolvem campanhas pontuais de conscientização e comunicação, na expectativa de estarem fazendo sua parte na prevenção ao suicídio, porém campanhas pontuais desta natureza por si só, não geram redução efetiva do número de mortes por suicídio. Dados do Sinan demonstram que o Setembro Amarelo não alterou a tendência histórica de crescimento dos suicídios no Brasil após sua implementação, uma vez que houve aumento nas taxas anuais de mortes por suicídio entre 2011 e 2019, com 4,99 e 6,41 suicídios por 100 mil habitantes, respectivamente. Adicionalmente, houve um aumento de 6,2% no risco de mortalidade em 2017 e de 8,6% em 2019. A deficiência de ações multissetoriais pode explicar este fenômeno, o que corrobora a necessidade de associarmos políticas públicas e privadas com novas linhas de ação focadas na formação de profissionais e lideranças. A prevenção do suicídio deve estar inserida em um contexto mais amplo de saúde mental, com ações contínuas e integradas em múltiplas esferas, pois soluções simples para problemas complexos geralmente são limitadas ou estão equivocadas.
O suicídio é um fenômeno multifatorial com grande complexidade no entendimento das suas causas e sua ocorrência nos leva a refletir que o trabalhador precisava de algum acolhimento que não foi disponibilizado quando necessário. Estudos realizados em diversos países, incluindo o Brasil, apontam as transformações organizacionais e seu modelo de gestão como potenciais desencadeadores do suicídio entre trabalhadores. São muitos os fatores, tais como frequentes reestruturações, desemprego, imprevisibilidade, exigências contínuas e aceleradas, fragilização dos limites entre a vida privada e profissional, precarização, novos modelos de trabalho, competitividade, entre outras. Esses elementos, carregados por forte conteúdo emocional, vivenciados dentro de um “período crítico”, provocariam uma desorganização psíquica tal no indivíduo, desencadeando nele uma crise suicida. Adicionalmente, tais aspectos, vistos como inerentes ao modelo econômico atual, acabam também naturalizando o mal-estar que acomete o ambiente de trabalho
Os modelos de prevenção usualmente consideram perfis de risco para direcionar ações que se antecipem a consumação do ato. Os principais fatores de risco de suicídio são o histórico de tentativa, a presença de transtornos mentais, aspectos psicológicos, fatores sociodemográficos e condições clínicas incapacitantes. Neste contexto, muitas estratégias focam em evitar que determinados indivíduos considerados de risco cometam suicídio, em uma visão pragmática de causa e efeito, subordinada às leis da lógica como campo de compreensão do homem. Acontece, no entanto, que as vivências humanas não “cabem” dentro de uma lei lógica, quantificável, medida com precisão, cultura predominante no universo corporativo.
Nem toda ideação suicida resulta em suicídio e nem todo o suicídio é precedido de ideações suicidas. Pesquisas apontam que mais de 50% dos suicídios não são precedidos de ideação nem oferecem sinais prévios facilmente identificáveis. Muitas vezes, uma crise psíquica intensa, deflagrada por elementos culturais ou ambientais, podem levar o indivíduo ao suicídio diante de uma oportunidade que se apresente no curso da crise. Mas como preveni-lo nestas circunstâncias?
A forma que se apresenta é cuidar do ambiente no qual o indivíduo está inserido, trabalhando o sentido existencial em uma atmosfera de acolhimento, escuta e segurança psicológica. Diante do desafio de antecipar o movimento de um indivíduo, deve-se focar em melhorar o ambiente no qual o conjunto de indivíduos está inserido, em múltiplas dimensões. No contexto empresarial, este é um papel a ser exercido por e para as lideranças corporativas, pois ao mesmo tempo que são agentes de prevenção, são potencialmente indivíduos a serem cuidados.
O suicídio nunca é o resultado de um evento ou fator único, mas consequência da interação complexa de vários fatores, o que faz com que as organizações, muitas vezes, procurem isentar-se de sua responsabilidade, imputando, geralmente, o gesto suicidário a um “temperamento” depressivo ou psicopatológico próprio ao suicida, ou ainda a conflitos afetivos que ele desenvolvia na esfera privada. Desta forma, o tema segue revestido por um véu, quase um pacto de silencio, uma espécie de tabu no interior das organizações e instituições. A incompreensão, a negação das relações entre suicídios com as questões relacionadas ao trabalho, o não entendimento da determinação do trabalho sobre a saúde mental, podem reduzir as possibilidades de se construir ações políticas para a mudança dessas realidades.