O objeto de estudo do texto de Byung-Chul Han já foi, muito provavelmente, diagnosticado por todos os leitores: estamos cansados, esgotados, trocando os momentos de sociabilidade pelos de solidão e descanso. Porém, a exaustão em questão, não é a física — muito embora também estejamos acumulando funções de trabalho, faculdade, casa e lazer — é a mental.

 

Resumo

    • O século passado foi desvelado pela psicanálise freudiana como repressivo, e viu suas instituições se derreterem nos dias atuais.
    • A ideia de indústria cultural, desenvolvida por Adorno, ganha novos contornos com o movimento dataísta, encabeçado por nomes como Elon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos.
    • A proposta de despir o ser humano da sociedade capitalista enquanto tentativa de vivenciarmos o tempo de maneira diferente.

 

A sociedade vive a transição das suas estruturas de poder, que antes, com as prisões, asilos, manicômios, quartéis generais e hospitais, reprimiam e disciplinavam através da negação da vontade, e que hoje buscam a ampliação da expressão do indivíduo, abdicando dessas instituições em prol da liberdade da vontade. Esta é a grande característica do que o filósofo sul-coreano Byung Chul Han chamou de sociedade do desempenho: uma sociedade que, segundo afirma, só é possível com o desenvolvimento do discurso neoliberal. Diferentemente do século passado, onde a narrativa freudiana psicanalítica ganhou amplitude em um mundo extremamente repressivo, hoje vivemos numa civilização que é obrigada a correr atrás do si-próprio, da autenticidade, do “seja você mesmo”, e que se vê muito bem representada pela máxima de campanha de Barack Obama: Yes, we can.

Os avanços da técnica na atual sociedade vão muito além dos objetos que nos trazem alguma perspectiva de domínio da natureza; criam, também, a mentalidade de que tudo tem que ser mais eficiente, otimizado e racional. Esse modus operandi espalhou-se de tal maneira que não é mais possível pensar em outras alternativas de organização social que não obedeçam a essa temática. Contudo, o mundo da técnica é um mundo de meios, e não de fins, e acaba por criar indivíduos que, como disse Tolstói, “são capazes de caminhar por um bosque na primavera e só enxergarem lenha”.

Uma outra consequência do discurso técnico é o dataísmo, que é um movimento crescente no mundo de utilização de dados para influenciar escolhas. O tamanho da influência que a manipulação de dados tem na sociedade pôde ser percebida nas eleições norte-americanas de 2016 e brasileiras de 2018. Os eventos nos fizeram experimentar uma perspectiva interessante do ponto de vista existencial, pois, aparentemente, os humanos modernos gozam de muito mais liberdade que seus antepassados, porém, em contrapartida, não conseguem experimentar plenamente essa liberdade, uma vez que suas decisões estão sendo totalmente influenciadas.

Adorno dizia que é através da técnica que os mais ricos, detentores do capital, exercem seu poder sobre os mais pobres, utilizando-se dos veículos de massa para disseminar sua influência, alienando a vontade geral e induzindo os cidadãos ao consumo. A consequência direta é a produção de desejos, possibilitada pelas propagandas que criam uma padronização exagerada dos objetos desse desejo — todos passam a querer os mesmos carros, as mesmas casas, querem consumir as mesmas marcas, ou seja, se tornam fielmente iguais uns aos outros, mesmo quando acham que estão sendo autênticos.

A mídia cria a ideia de que somos únicos e especiais, que somos capazes de tudo desde que trabalhemos para conseguir. Porém, segundo Han, é também nesse movimento que os indivíduos caem na mesma vala da igualdade, buscando os mesmos objetivos, totalmente convencidos de que estão sendo os mais originais possíveis. Nota-se que mesmo na mais empenhada das pessoas existe certa dificuldade em conseguir, ou mesmo impossibilidade, uma vez que a mais original das buscas da produção do eu, passa muito menos por uma espiritualização e muito mais por uma tentativa de criação de “diferenças comercializáveis”. Vivemos na ditadura do igual.

Na busca desenfreada pela padronização dos indivíduos, em sua massificação, a sociedade acaba por criar doenças crônicas, como a depressão e o burnout, causadas em pessoas que não se adequam ao padrão que o sistema neoliberal as impõe. Mostra-se angustiante não ser produtivo. A todo momento os indivíduos estão sendo induzidos a fugir do ócio para produzir. O ser humano moderno é o principal ativo desse mecanismo, onde o sistema que o rege trabalha constantemente no constrangimento daqueles que, de alguma maneira, não se adaptam. Segundo Han, é possível concluir através desse raciocínio que a repressão agora vem de dentro, e não mais de fora. Não mais lutamos contra tiranos ou governos que nos reprimem. Agora nossa luta é interna, contra nós mesmos, pois os agentes do sistema atuam na disseminação da crença de que o fracasso é fruto da falta de trabalho e empenho. Dessa “revolução contra si mesmo”, desse tentar aniquilar um eu que naturalmente não se encaixa na roda, e de fabricar um novo personagem do qual somos atores, surge o que o autor chama de uma alienação de si mesmo, um esvaziamento de si próprio, um cansaço a níveis existenciais.

Por fim, o filósofo sul-coreano propõe que devemos começar a repensar nossa relação com o tempo. É preciso retomar o ócio como algo natural, ao invés de um “parar para recompor as forças e retomar a produção”, e fomentá-lo como um ócio original, despreocupado, que regenera, espiritualiza e nos põe em contato com nós mesmos e com a natureza que nos cerca, com propósitos macunaímicos de esvaziamento do alarido da cidade, da corrida contra o tempo; pois essa sociedade do desempenho, esgotada, esvaziada de seus propósitos, acaba se tornando o que o autor chama de sociedade do cansaço, que torna o doping cada vez mais comum na busca por potencializar a eficiência e a robotização do corpo humano, transformando-o em mais um instrumento a ser utilizado pela máquina na geração de ativos econômicos.

Jorge Luiz Sales[1]

 

Referências Bibliográficas 

HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. 1a edição. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2015.

— GELI, Carles. Byung-Chul Han:“Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização”.  Barcelona: El País, 2018.

— TOLSTÓI, Liev. Guerra e Paz. 1a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

— ADORNO, Theodor W. Indústria Cultural. 15a edição. São Paulo: Paz e Terra, 2021.

[1] Mestrando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Graduado em licenciatura na mesma institução.