A história de Sísifo foi muito famosa na antiga Grécia, e ganhou novos contornos na sociedade atual com seu uso na obra de Arthur Schopenhauer O mundo como vontade e representação. Albert Camus, filósofo franco-argelino do século XX, se apropria do mito para traçar as semelhanças entre o seu castigo e a condição humana no mundo capitalista industrial.

 

Resumo

    • Sísifo: o astuto que enganou a morte três vezes
    • O castigo de Sísifo e o absurdo camusiano: a desesperança causada pelo rolar da pedra de volta ao ponto inicial.
    • A redenção de uma vida absurda: é preciso imaginarmos Sísifo feliz.

 

Os antigos contam que Sísifo foi o mortal mais astuto que já pisou na Terra. Um dia, ele reconheceu a bela Egina, filha de Esopo (deus rio), nas garras de uma águia que sobrevoava os céus, e resolveu contar o fato para Esopo, desde que este fornecesse uma fonte d’água para sua cidade.

Muito irritado com a situação, pois Sísifo estava rompendo com as condições da natureza, Zeus manda Thanatos (a morte), buscar o astuto como castigo. E é aí que Sísifo engana a morte pela primeira vez. Quando a morte chega para buscá-lo, Sísifo se mostra contente. Sabiamente, reparou que ela sempre é recebida com tristeza e lamentos, portanto resolveu fazer diferente: buscou uma corrente e a ofertou como um colar, pois reconhecia seu valor e sabia que ela não merecia ser tratada daquela maneira. Ao aceitar o presente, ela fica presa e Sísifo foge.

Com Thanatos aprisionado, as pessoas ficaram um tempo sem morrer, o que gerou a revolta de Hades (que não mais recebia suas almas) e de Ares (que precisava da morte na consumação de suas batalhas). Hades, então, acha e liberta a morte, ordenando que ela busque Sísifo. Antes de morrer, porém, o astuto pede à sua esposa que o jogue na beira de um rio, sem os rituais fúnebres necessários. Assim ela procede. Ao chegar em Hades, Sísifo se diz enfurecido, pois sua esposa havia deixado seu corpo à margem de um rio qualquer, sem os rituais necessários para sua passagem e sem as oferendas tão prezadas pelo deus. Então ele pede mais um dia de prazo para que volte e castigue a esposa, e Hades concede. Desta maneira, Sísifo engana a morte mais uma vez.

Por fim, já muito idoso, Sísifo não mais consegue fugir da morte e se entrega ao nosso trágico destino. Quando chega ao Tártaro, é condenado a rolar, incessantemente, uma pedra de mármore ao cume de um monte inclinado, que faz com que a pedra caia e ele tenha que levá-la de novo, assim eternamente, pois os deuses achavam que nada poderia ser pior do que ser condenado ao trabalho sem sentido.

Camus se debruça sobre o castigo de Sísifo para pensar a condição do ser humano moderno em uma sociedade industrial: vivemos, incessantemente, uma vida sem sentido, desarmônica entre a causa e o efeito. Desde a mocidade, Camus repara nessa desarmonia, que mais maduro vai dar nome de absurdo. É interessante olharmos no dicionário a palavra, e vermos que ela significa “algo sem sentido” ou “irracional” (incapaz de ser captado pela racionalidade). Se a vida é absurda e Camus está certo, ela não tem sentido. O interessante desse ensaio é que o autor não se preocupa em explicar o conceito por entender que não é meramente algo conceitual, mas sim a condição da vida humana, que deve ser sentida.

É super importante, portanto, pensarmos no mito de Sísifo para entendermos o pensamento do autor franco-argelino: para enxergar o absurdo, não devemos olhar para a vida astuta de Sísifo, muito menos para seu castigo; é necessário pensarmos no exato momento em que ele repara o cair da pedra; o exato momento em que ele se dá conta de que todo o seu trabalho foi em vão, que não o levou a nada, que terá de ser repetido ad infinitum sem uma finalidade muito bem definida.

O absurdo diz respeito ao divórcio entre o mundo que nos circunda e nós mesmos. O absurdo é um “pecado sem deus”. O universo é indiferente ao ser humano não por ser mau, mas por ser incapaz de ser de outra maneira. Estamos sozinhos e isolados num mundo inteiramente estranho; somos estrangeiros. E por isso este é o nome de um dos romances mais famosos do século passado.

Jorge Luiz Sales[1]

 

Referências Bibliográficas.

— CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. 26a edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2018.

— HOMERO. Odisseia. 1a edição. São Paulo: Editora Penguin, 2018.

— ________. Ilíada. 1a edição. São Paulo: Editora Penguin, 2018.

[1]  Mestrando em Filosofia pela PUC RJ e graduado na mesma instituição.